Falar sobre o Brasil não é fácil, discorrer sobre sua história menos ainda. Mas era início da década de 60, quando, em 7 de setembro, João Goulart tomou posse como presidente da República, após Jânio Quadros renunciar ao seu cargo. À época, o Congresso aprovou uma emenda constitucional, que transformava o sistema de governo presidencialista, em parlamentarista. O que originou diversas ocorrências.
Socialmente, houve a progressão dos movimentos sociais e o avanço da mobilização camponesa. Pois o desenvolvimento urbano, e a industrialização, ampliaram a produção agrícola e pecuária, redefinindo a utilização e posse de terras.
Consequentemente, muitos trabalhadores rurais acabaram expulsos de suas propriedades, e tendo condições de trabalho degradadas. Assim, um importante movimento, chamado Ligas Camponesas, surgiu para defender a reforma agrária. O seu fundador, o parlamentar pernambucano Francisco Julião, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), realizou comitês e difundiu a organização em várias capitais do país.
Entretanto, uma disputa notável da Liga, ocorreu no Nordeste, pela posse do Engenho Galileia. Porque, mesmo o local não operando mais como produtor de açúcar, o antigo proprietário quis retomá-lo, para eliminar os arrendados campesinos. Todavia, o terreno acabou desapossado pelo governo.
Também foram atuantes no mandato de Jango, os estudantes — através da União Nacional dos Estudantes (UNE) —, que reivindicavam renovação social e a melhora do ensino superior. Além disso, nessa ocasião, a Igreja Católica acabou fragmentada em várias apreciações: indo do ultraconservadorismo, até o “acolhimento” de esferas mais à esquerda, como a Juventude Universitária Católica (JUC).
Economicamente, contudo, o imbróglio foi outro. Posto que as reformas de base previam uma maior intervenção do Estado, a nacionalização das empresas, a Lei de Remessas de Lucros — que limitava em 10% o lucro enviado por multinacionais para fora do Brasil —, e o aumento do monopólio da Petrobras.
Somado a isso, também havia a piora da situação financeira que João precisou enfrentar. A inflação subiu de 26,3%, em 1960, para 54,8%, em 1962. E, querendo freá-la, instituiu-se o Plano Trienal, formulado por Celso Furtado, à época Ministro do Planejamento.
Várias regras para controlar o déficit público e conter despesas foram postuladas. O intuito era fazer a economia crescer 7%. Porém, o êxito do documento dependia da colaboração dos setores influentes da sociedade — o que não ocorreu. Já que os beneficiários da inflação não desejavam o triunfo das medidas trienais: os opositores de João queriam o seu fracasso; os operários foram contra a redução salarial; e a esquerda entendida como imperialismo o projeto. Como consequência, o plano fracassou e o funcionalismo público cresceu — apesar dos pesares.
Fora essa questão, os adversários de Goulart ainda desejavam mudar um dispositivo da Carta Magna, para que os proprietários de imóveis desapropriados fossem pagos com os títulos da dívida pública. Dado que a falta de recursos do governo impossibilitava a supracitada reforma agrária.
Já na esfera política, juntamente à mobilização da sociedade, com a formação da linha nacionalista do PTB, a “bossa nova” da UDN, a repartição do PSD, a ruptura da esquerda, e, no Congresso, a instalação de grupos interpartidários, todos agravaram a crise da administração pública. Principalmente porque os Estados Unidos, por considerar a governança brasileira muito à esquerda, começou a financiar grupos conservadores que desestabilizavam a presidência.
Lincoln Gordon, que atuou como embaixador dos EUA no Brasil, colocou em documentos para a CIA, e para o departamento de estado americano, mostrados no filme Um dia que durou 21 anos, que “o governo de Goulart representa uma ameaça ao mundo livre (…). Está fomentando um perigoso movimento de esquerda, estimulando o nacionalismo”. Que “tais ações representam uma ameaça aos interesses dos Estados Unidos (…). Goulart está definitivamente engajado em uma campanha ditatorial, com ataques diretos aos nossos interesses econômicos”.
E, para piorar, no entendimento da imprensa, foi gestada a necessidade da consumação de um golpe. O que o historiador Juremir Machado, ao falar sobre a atuação dos grandes jornais, chamou de “golpe midiático-civil-militar”.
Por fim, com a realização do Comício da Central do Brasil, da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, das Reformas de Base e da ação golpista de Olympio Mourão, feita no dia 31 de março de 1964, deu-se início à tomada de poder pelos militares.
Momento no qual o jornal Correio da Manhã expressou a insatisfação popular de forma clara e objetiva: “A Nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo”. O título da matéria foi um “Fora!”. Isso porque, evidentemente, o presidente não agradou às elites.