Para entendermos uma obra, se faz necessário historicizar o seu autor. Porque somos produtos de um tempo que nos circunscreve, filhos de um zeitgeist. Somos, também, a resultante dos anseios, com os questionamentos de uma determinada era.

E é por isso que, ao analisarmos os escritos de Bertolt Brecht, vemos a influência socialista, a luta contra a hegemonia nazista e a defesa do entendimento sócio-histórico, como forma de compreender a vida proletária.

Brecht, oriundo da Baviera, estado da Alemanha, começou a escrever precocemente. Teve o primeiro texto publicado em 1914. E como veio de família burguesa, pôde estudar medicina. Curso que acabou interrompido, devido à Primeira Guerra Mundial.

Porém, findando esse conflito, Bertolt muda-se para Berlim, onde inicia a carreira no teatro e na literatura. Momento no qual as mobilizações da República de Weimar aconteciam, em conjunto das manifestações socialistas, da recém-criada União Soviética.

Assim, Brecht acaba aderindo ao marxismo, como forma de pensamento, e torna-se notório na produção do teatro épico. O seu trabalho em peças, canções, poemas e ensaios, expressou crítica ao sistema capitalista. Ao sistema que, para manter a hegemonia sobre os indivíduos, utiliza-se da alienação para alavancar lucros.

Porque é com esse aniquilamento da mente pensante, do esvaziamento da criticidade, que ideologias são instituídas. Atuação que, evidentemente, foi rechaçada pelo dramaturgo.

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Bertolt Brecht em 1927 (Foto: Ullstein Bild/Getty)

A obra de Brecht é extensa. Por isso, aqui me atenho, exclusivamente, ao poema Perguntas de um trabalhador que lê, de 1935.

Nele, é enfatizada a problemática do funcionário que, à luz da racionalidade, questiona a falta de reconhecimento do seu trabalho. A ausência de deferência, ao artífice do próprio labor.

A contestação é evidente: “Quem construiu a Tebas de sete portas?/ Nos livros estão nomes de reis./ Arrastaram eles os blocos de pedra?”.

Dito de outra forma: Bertold questiona o porquê de, somente, o arquiteto ser gratulado, por um projeto que, na realidade, quem realizou foi o pedreiro.

Ou, melhor dizendo, para contextualizar com o cenário brasileiro: por que falamos de Brasília, apenas, como obra de Juscelino Kubitschek, quando, para edificar o conceito de Niemeyer, foram necessários vários “pés descalços”? Isto é, milhares de homens e mulheres pobres, que viram na construção da nova cidade, uma forma de crescimento econômico. Onde estão esses, cuja existência foi depreciada? É isso o que Brecht pontua.

De forma análoga, podemos citar, ainda, Vidas Secas (1938), livro do escritor Graciliano Ramos. Obra que transpõe a barreira regionalista, para falar da aridez do sertão do país. Dado que discorre sobre as vidas que foram secasnão somente vidas secas. Sobre as vidas que foram deixadas ao léu, à exploração, à humilhação, à alienação.

E outra verossimilhança com Brecht, é a pintura Segunda Classe (1933), da modernista Tarsila do Amaral. Quadro pertencente à “Fase Social” da artista, que explora a incongruência da geração de riqueza capitalista: o acúmulo de bens para os donos dos meios de produção, e a pobreza como salário dos empregados.

Amaral, através das pinceladas, dá cor para o êxodo rural. Movimento no qual as famílias deixam suas casas, em direção à cidade grande, em busca de melhores oportunidades de sobrevivência.

third class | Tarsila, Arte naif, Pintura tarsila do amaral
Em “Segunda Classe”, a tristeza e a desesperança estampam o semblante dos indivíduos (Foto: Divulgação)

Contudo, como diz Bertolt, nos dois últimos versos do poema: “Tantas histórias/ Tantas questões”.

Logo, analisar o desenvolvimento da classe trabalhadora, e sua representatividade ao longo do tempo, é tarefa multifacetada, complexa. Porém, somente abdicando da pequenez subjetiva, podemos confrontar o status quo.

Razão para que Brecht tenha escrito as perguntas de um trabalhador que lê: para que, não mais, sejamos dominados, e para que, consequentemente, tenhamos satisfação no nosso próprio suor — o que nos faz atingir a liberdade.

Liberdade essa que, segundo Isaiah Berlin, no livro Quatro ensaios sobre liberdade (1969), resulta em um indivíduo que é amo e senhor de si mesmo. Instrumento de si, e não da vontade de outros homens.

O que faz jus, inclusive, às palavras de William Henley, no poema Invictus (1875): “Eu sou o mestre de meu destino;/ Eu sou o capitão de minha alma”.

Todavia, para ocorrer esse “despertar”, metodologias que elevam a sociedade e maximizam o entendimento, precisam ser aplicadas. Não um governo que se utiliza da desigualdade para consolidar o seu poder e, no establishment, vê a oportunidade de promover a estagnação coletiva.

Por fim, cabe a pergunta: diante de toda essa conjuntura, então, qual é a saída? E Hannah Arendt, filósofa alemã, fornece uma escapatória: “Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime”.

E é assim que termino: enfatizando que abdicar de pensar é crime. E que, igualmente, não devemos contar com a reciprocidade alheia, com as gratulações públicas.

Posto que para o fomento da própria felicidade: a autonomia do fazer, sem esperar receber.