Para entendermos uma obra, se faz necessário historicizar o seu autor. Porque somos produtos de um tempo que nos circunscreve, filhos de um zeitgeist. Somos, também, a resultante dos anseios, com os questionamentos de uma determinada era.
E é por isso que, ao analisarmos os escritos de Bertolt Brecht, vemos a influência socialista, a luta contra a hegemonia nazista e a defesa do entendimento sócio-histórico, como forma de compreender a vida proletária.
Brecht, oriundo da Baviera, estado da Alemanha, começou a escrever precocemente. Teve o primeiro texto publicado em 1914. E como veio de família burguesa, pôde estudar medicina. Curso que acabou interrompido, devido à Primeira Guerra Mundial.
Porém, findando esse conflito, Bertolt muda-se para Berlim, onde inicia a carreira no teatro e na literatura. Momento no qual as mobilizações da República de Weimar aconteciam, em conjunto das manifestações socialistas, da recém-criada União Soviética.
Assim, Brecht acaba aderindo ao marxismo, como forma de pensamento, e torna-se notório na produção do teatro épico. O seu trabalho em peças, canções, poemas e ensaios, expressou crítica ao sistema capitalista. Ao sistema que, para manter a hegemonia sobre os indivíduos, utiliza-se da alienação para alavancar lucros.
Porque é com esse aniquilamento da mente pensante, do esvaziamento da criticidade, que ideologias são instituídas. Atuação que, evidentemente, foi rechaçada pelo dramaturgo.
A obra de Brecht é extensa. Por isso, aqui me atenho, exclusivamente, ao poema Perguntas de um trabalhador que lê, de 1935.
Nele, é enfatizada a problemática do funcionário que, à luz da racionalidade, questiona a falta de reconhecimento do seu trabalho. A ausência de deferência, ao artífice do próprio labor.
A contestação é evidente: “Quem construiu a Tebas de sete portas?/ Nos livros estão nomes de reis./ Arrastaram eles os blocos de pedra?”.
Dito de outra forma: Bertold questiona o porquê de, somente, o arquiteto ser gratulado, por um projeto que, na realidade, quem realizou foi o pedreiro.
Ou, melhor dizendo, para contextualizar com o cenário brasileiro: por que falamos de Brasília, apenas, como obra de Juscelino Kubitschek, quando, para edificar o conceito de Niemeyer, foram necessários vários “pés descalços”? Isto é, milhares de homens e mulheres pobres, que viram na construção da nova cidade, uma forma de crescimento econômico. Onde estão esses, cuja existência foi depreciada? É isso o que Brecht pontua.
De forma análoga, podemos citar, ainda, Vidas Secas (1938), livro do escritor Graciliano Ramos. Obra que transpõe a barreira regionalista, para falar da aridez do sertão do país. Dado que discorre sobre as vidas que foram secas, não somente vidas secas. Sobre as vidas que foram deixadas ao léu, à exploração, à humilhação, à alienação.
E outra verossimilhança com Brecht, é a pintura Segunda Classe (1933), da modernista Tarsila do Amaral. Quadro pertencente à “Fase Social” da artista, que explora a incongruência da geração de riqueza capitalista: o acúmulo de bens para os donos dos meios de produção, e a pobreza como salário dos empregados.
Amaral, através das pinceladas, dá cor para o êxodo rural. Movimento no qual as famílias deixam suas casas, em direção à cidade grande, em busca de melhores oportunidades de sobrevivência.
Contudo, como diz Bertolt, nos dois últimos versos do poema: “Tantas histórias/ Tantas questões”.
Logo, analisar o desenvolvimento da classe trabalhadora, e sua representatividade ao longo do tempo, é tarefa multifacetada, complexa. Porém, somente abdicando da pequenez subjetiva, podemos confrontar o status quo.
Razão para que Brecht tenha escrito as perguntas de um trabalhador que lê: para que, não mais, sejamos dominados, e para que, consequentemente, tenhamos satisfação no nosso próprio suor — o que nos faz atingir a liberdade.
Liberdade essa que, segundo Isaiah Berlin, no livro Quatro ensaios sobre liberdade (1969), resulta em um indivíduo que é amo e senhor de si mesmo. Instrumento de si, e não da vontade de outros homens.
O que faz jus, inclusive, às palavras de William Henley, no poema Invictus (1875): “Eu sou o mestre de meu destino;/ Eu sou o capitão de minha alma”.
Todavia, para ocorrer esse “despertar”, metodologias que elevam a sociedade e maximizam o entendimento, precisam ser aplicadas. Não um governo que se utiliza da desigualdade para consolidar o seu poder e, no establishment, vê a oportunidade de promover a estagnação coletiva.
Por fim, cabe a pergunta: diante de toda essa conjuntura, então, qual é a saída? E Hannah Arendt, filósofa alemã, fornece uma escapatória: “Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime”.
E é assim que termino: enfatizando que abdicar de pensar é crime. E que, igualmente, não devemos contar com a reciprocidade alheia, com as gratulações públicas.
Posto que para o fomento da própria felicidade: a autonomia do fazer, sem esperar receber.