Entremeio, vivemos no entremeio da existência. É o que sinto com o passar dos dias, olhando vagamente o entorno, atento nas vidas que se dissipam, no agora ancorado em circunstâncias difusas, mas que procura acalanto no porvir. Penso que a bifurcação nas veredas de nossas biografias serve para alertar que o caminho é frágil e perecível — jamais eterno.

O tempo, no entanto, é breve. Agora, por exemplo, acabo de olhar para o relógio. Ele me informa que este texto precisa ser entregue até o final do dia. E não há atribulação maior para um jornalista que a palavra furtiva, as descrições esgotadas, o silêncio da página em branco.

No momento, estou no interregno do “dizer-não-dito”, do expor o cansaço de um ano de angústias e satisfações, de tirar férias que se apresentam como um oásis no deserto de um país mínimo e, claro, do não expor nada, de parar por aqui e ponto. Ou seja, o meu próprio entremeio.

Subsistimos, caro leitor, no limiar dos intervalos. Pois entre uma pausa e outra, um novo compasso surge. No dedilhar de cada letra, move-se o cursor da criação. De batimento em batimento, transpomos os óbices da peleja, ressignificamos as forças para continuar. Seguimos.

Assim, gosto de pensar como o marido de Aracy de Carvalho, o autor de Grande sertão: veredas. Posto que segundo Guimarães Rosa, “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Portanto, na intercadência reside o inegável.

É válido dizer, ainda, que foi na lacuna do “sim-não”, da estima e da alteridade, que Aracy passou a ser conhecida como O Anjo de Hamburgo, após ter livrado vários judeus do suplício dos campos de concentração, durante a Segunda Guerra. Seu nome foi gratulado, com fundamento, no Jardim dos Justos entre as Nações, do Museu do Holocausto, em Israel.

E só de lembrar que uma miríade de corpos sucumbe no obscurantismo letal, ano a ano, me instiga a fazer a mesma pergunta lançada em livro pelo Primo LeviSe questo è un uomo (É isto um homem?). E ele responde: “Era isso mesmo, ponto por ponto: vagões de carga, trancados por fora, e, dentro, homens, mulheres e crianças socados sem piedade, como mercadoria barata, a caminho do nada, morro abaixo, para o fundo”.

Percebo, inevitavelmente, que na superlativa agonia que nos cerca, a derrocada parece irremissível. Contudo, tendo a acreditar no entremeio. Mesmo sabendo que está chegando a hora-limite desta crônica. Porque a consciência de que somos uma partícula de orvalho, condensada no ar do acaso, não me impede de considerar que a humanidade reside no intermédio de suas limitações e propósitos.