Falar das obras-primas de Bob Dylan não é tarefa fácil. Mas uma delas está no álbum The Freewheelin’ Bob Dylan (lançado em 1963 pela gravadora Columbia Records), que é a música Blowin’ in the Wind.
Canção que marcou a carreira do músico, e foi incorporada ao movimento hippie e à luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Dada essa notoriedade, em 2004, o som esteve na décima quarta posição da Rolling Stone, que listou as “500 Maiores Músicas de Todos os Tempos”.
Sobre a letra é perceptível a preservação da estrutura poética, ao fazer questionamentos sobre o status quo. Ou seja, tem um caráter bem mais reflexivo, do que contestatório. A obra proporciona indagações incisivas sobre paz, guerra e liberdade. Os três acordes e nove versos são potentes para inquietar a razão. Vejamos um trecho:
“Quantas estradas um homem deve andar antes de você chamá-lo de homem? (…) Quantas vezes as balas de canhão devem voar antes de serem banidas para sempre? (…) Sim, e quantos anos algumas pessoas conseguem existir antes que permitam que elas sejam livres? (…) A resposta, meu amigo, está soprando no vento, a resposta está soprando no vento”.
Como observamos, a aura predominante é de dúvida, incerteza e reticências com o porvir. Posto que o homem é, ao mesmo tempo, protagonista e antagonista de suas ações. É o catalisador das mudanças sociais, e o desconstrutor delas. É o que cura e o que provoca a enfermidade; a chaga física e social. Então, qual a solução? É o que se discute…
Diante disso, canalizado pelo zeitgeist da década de 60, Dylan proferiu contra a Guerra Fria e contra a Guerra do Vietnã — esta, o conflito mais notório daquela. Por isso, para entendermos Blowin’, se faz necessário sabermos a sua ambientação sociopolítica.
Contexto
No início dos anos 60, a diplomacia entre os Estados Unidos e Cuba enfrentou grandes entraves. E o rompimento entre esses dois países ocorreu em 1961. Passados doze meses, houve, na ilha caribenha, a crise dos mísseis soviéticos, que quase incitou um colapso mundial.
Episódio que fez Robert Allen Zimmerman, o famigerado Bob Dylan, lançar o segundo LP, o próprio The Freewheelin’ Bob Dylan, que trouxe a clássica Blowin’in the Wind. Dessa forma, a pergunta “sim, e quantas balas de canhão deverão voar até que sejam banidas para sempre?”, fica ainda mais clara. Embora o cantor tenha preferido respondê-la com um ar enigmático: “A resposta, meu amigo, está soprando no vento”.
Todavia, reitero essa questão e a reescrevo de maneira coloquial — não querendo ser simplista: qual o prazo até que se estenda a bandeira do cessar-fogo? Ou, como disse Anne Frank: “Por quanto tempo ainda aguentaremos esta quase insuportável e sempre crescente pressão?”.
A guerra
Sobre a Guerra do Vietnã (1959 – 1975), inevitavelmente, é possível encontrar verossimilhança com os trechos de Dylan. Posto que desde o término da Guerra da Indochina (1946 – 1954) com a França, o Vietnã foi segmentado em dois: o Norte, de governo comunista, liderado por Ho Chi Minh, e o Sul, constituído por monarquia independente, comandada por Bao Dai.
Ambos os lados queriam a unificação do território, cada um com seu domínio. Contudo, a partir de 1965, o exército dos Estados Unidos se aliou às tropas do Vietnã do Sul, contra os militares do Vietnã do Norte. O objetivo americano era conter a capilarização do comunismo internacionalmente. Eis, então, o problema.
Dado que para esterilizar a ideologia marxista, os soldados dos EUA se utilizaram de armas químicas, como o napalm e o agente laranja, que resultam em intensos efeitos colaterais e promovem o nascimento de crianças com doenças congênitas.
O intento era reduzir florestas e selvas, para que norte-vietnamitas e “vietcongues” ficassem sem refúgio e sem colheita de alimentos.
Além disso, o uso de mais de 75 milhões de litros do agente laranja, promoveu uma verdadeira hecatombe: mais de 400 mil pessoas morreram e sofreram lesões físicas graves. E Blowin’in the Wind, nesse sentido, é cirúrgica em nos perguntar: “(…) Sim, e quantas mortes serão necessárias até que ele saiba que muitas pessoas morreram?”.
Entretanto, somente em 1976, o Vietnã do Sul foi rendido e passou pela unificação, com o nome de República Socialista do Vietnã.
Resumo
Em vista disso, fica claro a importância da música na exposição do sentimento humano. No caso de Bob, um sentimento de desilusão, de aversão ideológica e de luta por um mundo mais igualitário.
Fora que a melodia de Blowin’in é, também, uma adaptação de um hino afro-americano, do século XIX, chamado No More Auction Block (Chega de Leilões de Escravos). O que torna a canção ainda mais atemporal. Pois mesmo com a abolição da escravidão, o intelecto de muitos permanece escravocrata e racista.
Exemplo claro é a recente morte de George Floyd, homem afro-americano, que faleceu em 25 de maio de 2020, por conta de o policial Derek Chauvin ter se ajoelhado no seu pescoço, durante sete minutos, quando já estava algemado e de bruços no asfalto.
Óbito que suscitou a manifestação do grupo ativista Black Lives Matter, e protesto social pelas ruas de diversos estados americanos.
Do mesmo modo, em outros países, houve demonstração de repulsa contra a injustiça e a discriminação para com os negros. No Brasil, pelo caso do menino João Pedro Mattos, morto no Rio de Janeiro, numa ação policial para prender traficantes.
Em resumo, o sentimento, de fato, é desolador. E o presente reverbera o caos. Portanto, qual a saída? Dylan nos diz: “A resposta, meu amigo, está soprando no vento”.