Dizer que a Comunicação, enquanto área do saber, é, por sua vez, filosófica, não parte de uma premissa que deseja imputar a Filosofia como sua matéria inerente. O que se procura, entretanto, é enfatizar que os dois campos de estudo dialogam desde a formação do pensamento ocidental, uma vez que, se os gregos não discorreram diretamente sobre Comunicação, ao menos trataram de temáticas parelhas.

Assim, quando analisamos o Jornalismo, profissão cujo designo reside justamente na comunicabilidade, observamos, expressamente, a influência da Filosofia nas matrizes curriculares universitárias e nos parágrafos que guiam o Código de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).

Como exemplo, cabe citar o Art. 4º, do Capítulo II, “Da conduta profissional do jornalista”, e o Art. 11, do Capítulo III, “Da responsabilidade profissional do jornalista”, ambos do CEJ. Isso porque, ainda que subjacente, aquele faz referência à noção de “verdade” (Wahrheit) estudada pelo filósofo prussiano Immanuel Kant (1724 – 1804) e, este, pela doutrina do utilitarismo.

Ao que dispõe o Art. 4º, “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação”. Portanto, verossimilhança com a interpretação kantiana, que diz que o verdadeiro deve ser a tônica para qualquer ocasião, mesmo que a transparência venha consumar, em alguma medida, em prejuízo.

Além disso, conforme é descrito em Lógica de Immanuel Kant. Um Manual para Preleções (1992), a “verdade” é “uma das mais importantes perfeições do conhecimento e até mesmo a condição essencial e inseparável de toda a perfeição do mesmo”.

Contudo, pode-se inferir que o Art. 11 se distancia desse parecer, dado que se aproxima, ainda que contidamente, do critério utilitarista de “verdade”. Posto que “o jornalista não pode divulgar informações: 1) visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica; 2) de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes; 3) obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração”.

Ou seja, nota-se uma filosofia utilitária nesse artigo porque, se prestarmos atenção, ele tem uma fenda que remete à ideia “segundo o qual uma ação é moralmente correta se tende a promover a felicidade e condenável se tende a produzir a infelicidade, considerando não apenas a felicidade do agente da ação, mas também a de todos afetados por ela”, como bem colocou Dalva Alves das Neves (2010), em O critério utilitarista será adequado para situação de risco?.

É ou não é dessa maneira? Esmiuçando as palavras e os seus sentidos, temos que o jornalista não deve visar o interesse pessoal ou buscar vantagem econômica na divulgação de informações. Certo. Mas e se for pelo interesse coletivo? Aí é válido publicar e receber uma dinheirama? O utilitarismo, que é consequencial e procura maximizar o bem-estar, igualmente entende que, se uma ação beneficia o coletivo, ela é profícua e moralmente correta. E incorreta quando, somente, um único indivíduo ganha com o resultado.

Logo, se a “verdade” da notícia ancora-se no intento da maioria, perfeito? Com outras palavras: se a sociedade for favorecida com a divulgação, então o jornalista não precisa se preocupar com os seus interesses nem com o seu bolso? Compete pensar…

Adiante. O tópico três reprova publicações que são: “Obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração”.

Todavia, alerta para esse final: “Salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração”. Quer dizer que, se o jornalista não tiver mais expectativa, capacidade, contatos e meios éticos para desenvolver a notícia, ele fica habilitado a utilizar “identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos”? Sem nenhuma relativização, é o que a frase está constando.

Fora que ela ainda deixa espaço para uma pergunta: quem será o responsável por fiscalizar se esgotou ou não todas “as outras possibilidades” íntegras de apuração? O que cabe um parêntese: vivemos numa era de aceleração contínua, numa sociedade do cansaço, parafraseando o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, na qual a instantaneidade é um pilar, o agora é já, e o jornalismo, por isso, elevou a celeridade à enésima posição para atender as demandas de mercado e noticiar continuamente.

Por conseguinte, atando essas considerações, temos um enfraquecimento da disposição, diminuição temporal, aumento das exigências comunicacionais para reportar primeiro e… a tal da “verdade”. Kant e os utilitaristas novamente.

O filósofo prussiano (1992) é claro em dizer que “um critério material e universal da verdade não é possível; tal coisa é até mesmo autocontraditória”. Adversidade que origina ambivalências na compreensão da realidade e faz com que o jornalista atue em terreno fértil de acepções.

Alguns, assim, renunciarão ao que consta no Art. 4º, a “precisa apuração e pela sua correta divulgação”. E casos não faltam de matérias que erraram ao produzir narrativas infundadas: Escola Base, cujos donos foram acusados de abuso sexual; TV Record, que inventou um incêndio no shopping; Revista Veja, que propagou que cientistas alemães criaram um ser híbrido do boi com o tomate; ou do jornalista Wallace Souza, acusado de praticar homicídios para ter audiência.

Ser utilitarista ou kantiano? Vale a história da mulher de César: não basta ser honesta; é preciso parecer honesta. O que significa que, mesmo o Jornalismo tendo a “verdade” como baluarte, para ela ser útil, necessitará sempre ser verdadeira. O que implica debate, perícia e reflexão.