Janela. É aquilo que abro quando quero contemplar a pintura que o universo fez. Meu quadro raro. E meu telescópio para o horizonte. É o vão de madeira envernizada do quarto, por onde vejo eucaliptos e bananeiras de tom verde-lima, atrás da minha casa.

O que minha família e vizinhos têm buscado escancarar, para fazer circular o ar e evitar a contaminação pelo coronavírus. O lugar no qual me debruço para desejar dias melhores, com mais saúde e esperança para todos.

Brecha convertida em bálsamo, quando espelha o sol do amanhecer, e quando reflete as poucas estrelas do céu do bairro. Que procuro fechar quando os dias estão gris, revestidos de melancolia, querendo sombrear e adentrar minha mente.

Espaço onde enxergo o sobrado amarelo da tia da minha mãe, dona Cleusa. Portal para vê-la regar as plantas da varanda, ou quando se deita na rede para devanear sobre a existência. E não só, tem também a morada verde água-marinha da Neusa e da Neide — irmãs e vizinhas do meu lado direito.

Outras residências igualmente se comprimem na minha tela de estilo realista, à la Camille Corot. Domicílios de telhados pretos, cinzas e alaranjados trazem ainda mais nuances para a paleta da rua, que preza pelos tons quentes.

Janela. Lacuna que descortina muros de concretos. As divisões sociais. Que transparece o movimento de transeuntes, de carros e de motos. Moldura que expõe as vicissitudes da vida terrena. É a forma geométrica que me possibilita ver Deus.

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PS: Esta crônica está ilustrada com a pintura Woman at the Window (1925), de Salvador Dalí.