Oswald de Andrade é como ele ficou conhecido, mas José Oswald de Sousa de Andrade é o nome do ensaísta, poeta, escritor e dramaturgo brasileiro.
Dentre os diversos livros que Oswald escreveu, me atenho ao Pau Brasil (1925), que é uma compilação de poemas, divididos em nove seções.
A parte que mais me interessou chama-se Poemas da Colonização. Categoria cujos versos e estrofes descrevem a corte portuguesa e a vida dos negros no período da escravidão — isto é, entre os anos de 1550 e 1888.
Contudo, o valor da narrativa não se restringe ao plano discricionário e sublime. Ao contrário, ela consegue, também, ser visceral. O que é observado no oitavo verso do poema A Roça: “Amarrados na escada/ A chibata preparava os cortes/ Para a salmoura”.
Trecho impactante e que rememora outras duas grandes obras. A primeira, chamada de Aplicação do Castigo do Açoite, uma pintura do francês Jean-Baptiste Debret; e, a segunda, a música Lamento do Negro, de Dona Ivone Lara. Nesta, a sambista escreve: “Depois de duro trabalho/ De maus tratos e sofrimentos/ Chibata comia toda a hora/ Sem roupa, sem água e alimento”.
Logo, há uma verdadeira correlação entre os versos do poeta modernista, com o quadro de Debret e, consequentemente, com a canção de Ivone. Visto que essas três artes se encarregam, cada uma a sua maneira, de denunciar o esfacelamento da partícula “ser-humano”; da propriedade formadora da benevolência. Dado que somente quando assimilamos a alteridade, somos alçados à condição de seres humanos — sem hífen.
Porque no momento em que o ser-outro é objetificado, tratado como “coisa”, que é desprovida de subjetividade, sentimento e importância. Que não dispõe de nenhum valor e alma. “Coisa” que nasceu para servir, ser abatida e escravizada. Nessa compreensão há, apenas, a sobreposição do amo ao aio. Da Casa-Grande sobre a senzala.
Prática que perdurou durante três séculos no país e, até hoje, conta com raízes férteis. No caso, ervas daninhas que se estruturaram na mente e no coração dos que não reconhecem o racismo vigente. E dos que persistem na desigualdade étnico-racial, não legitimando a equidade de direitos.
Em suma, precisamos frear, de uma vez por todas, ações que atribuem caráter servil àqueles que possuem melanina. Posto que devemos parar de açoitar, deliberadamente, a liberdade de existir do outro — que é intrínseca a ele, e a nós; é direito inalienável. Eliminemos, portanto, a surra do artigo 5º da Constituição de 1988.
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PS: Este texto foi ilustrado com a pintura Aplicação do Castigo do Açoite, de Jean-Baptiste Debret.