Quando Lulu Santos escreveu, em 1983, “Como uma Onda”, ele jamais imaginaria que, 37 anos depois, em 2020, a letra de sua música poderia dar o tom para a transformação que a comunicação passaria. Ou seja, que as duas frases que iniciam a canção, serviriam de mote para o que estava porvir. Dado que “nada do que foi será/ de novo do jeito que já foi um dia”. 

Porque a forma como exercíamos o diálogo teve que ser alterada, para atender às exigências da pandemia de covid-19, bem como medidas sanitárias foram tomadas, objetivando conter a expansão do vírus.

Logo, se antes nos tocávamos, abraçávamos, falávamos perto de nossos ouvintes, tínhamos livre-arbítrio para exercer o discurso com quem queríamos e como queríamos, após 2020 tivemos que adicionar, nos parágrafos de nossas biografias, o famigerado álcool em gel, a máscara facial, o distanciamento, o trabalho remoto e, claro, as muitas videoconferências.

Não à toa, o Zoom, plataforma de vídeo a distância, alcançou, em abril do ano passado, 300 milhões de usuários — o que lhe rendeu lucro de US$ 27,1 milhões, valor esse 1.123% superior ao de 2019.

Por um lado, fomos submetidos a inúmeras restrições; por outro, a comunicação, aliada à tecnologia, mostrou que não há pedágio e nem afastamento nos ambientes digitais: porque ficamos ainda mais conectados, e passamos a reverberar nas redes, os trabalhos que fazíamos em locais físicos. 

Fenômeno que pode ser explicado pelo conceito “aldeia global”, desenvolvido na década de 60, por Herbert Marshall McLuhan.

Termo define que, com o advento das revoluções tecnológicas, as distâncias humanas seriam encurtadas, e estaríamos mais próximos do formato de uma “aldeia”.

Pois com a evolução das telecomunicações e dos sistemas de mídia, conseguiríamos dialogar sem fronteiras e alcançaríamos a sociabilidade global — justamente o que ocorreu com o passar dos anos, e foi impulsionado pela pandemia. 

O mesmo McLuhan escreveu um livro chamado Os meios de comunicação como extensões do homem. E explica esse título colocando que a tecnologia “é uma amplificação de um órgão, de um sentido ou de uma função que inspira ao sistema nervoso central um gesto autoprotetor de entorpecimento da área prolongada”. 

Simplificando, mas mantendo o contexto: em 2020, vimos que as redes sociais, os aplicativos, os celulares e os computadores acabaram alçados à condição da coluna vertebral humana.

E, dentro dessa nova configuração, em que o sair de casa era uma ameaça, essa nova coluna, agora técnica e online, acabou estruturando a comunicação, para caminharmos livremente na world wide web.

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Se comunicar é surfar as ondas da informação, sem levar um caldo da desinformação (Gif: Reprodução)

A prova dessa reconfiguração está no relatório We Are Social, feito em parceria com a HootSuite, que demonstrou que, no ano passado, mais de 4,54 bilhões de pessoas usaram a internet, sendo que 3,80 bilhões estavam ativas nas mídias sociais.

No Brasil, esse número foi de 140 milhões. E o tempo em que os nossos internautas ficaram ligados beirou as 3h31min. O Facebook foi quem teve mais acesso, seguido do WhatsApp, YouTube, Instagram, Messenger, LinkedIn, Pinterest e Twitter. 

O problema, entretanto, é que a comunicação veiculada nesses canais sujeita-se à lógica do imediatismo e da superficialidade. O que trouxe desinformação generalizada, fake newsfake opinion e pós-verdade.

Segundo o levantamento de 2020 feito pela Reuters Digital News Report, o Brasil é o país no qual 84% da população nutre preocupação com as notícias recebidas pela internet. Sendo o WhatsApp, a plataforma que mais traz insegurança, com 35%. Depois o Facebook (24%), YouTube (7%) e Twitter (3%).

Por conta disso, o levantamento do Ibope, feito entre os dias 20 e 23 de março do último ano, mostra que, para 88% das pessoas, a televisão aberta continua sendo a fonte de informação mais confiável, superando os sites e portais de notícias (86%), e o rádio (83%). 

Mesmo assim, independentemente do meio, em algum momento tivemos que enfrentar a onda do obscurantismo e do desconhecimento nos últimos meses.

Porque foi propagado que a vacina da covid-19 alteraria o DNA humano, que poderia inserir um microchip no corpo, que os termômetros infravermelhos causariam doenças cerebrais, e que o vírus teria sido criado em um laboratório na China.

Contudo, para não sermos tragados por essa enxurrada, Yuval Noah Harari, historiador israelense, discorreu o seguinte, no ensaio Na batalha contra o coronavírus, faltam líderes à humanidade: “A melhor defesa que os humanos têm contra os patógenos não é o isolamento, mas a informação”.

E um exemplo claro de informação, com comunicação eficiente, ocorreu com a implantação da telemedicina. Que reduziu a incidência de contaminação por covid, e diminuiu a fila de espera por consultas. 

Outros casos em que a comunicabilidade foi necessária também passaram por renovação.

O marketing de conteúdo, por exemplo, necessitou se readequar e se fortalecer para manter as empresas ativas no mercado de trabalho.

Na educação, professores e alunos dialogaram através do ensino remoto. E, no campo musical, cantores fizeram shows online — lives, principalmente no YouTube. 

Assim, pode-se inferir, mediante ao que foi expresso, que, de fato, 2020 nos trouxe um novo mundo. Mundo esse em que nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia.

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P.S.: Este texto foi ilustrado com a fotografia de Jasper Garratt.